Na última semana de março, estivemos no encontro "O Lugar Das Redes", que acontece na região da Cracolândia, em São Paulo.
O encontro faz parte da disciplina de Pós-Graduação realizada pelo grupo de pesquisas #Diversitas, da #USP. Tivemos a honra de receber o convite do professor Sérgio Bairon, amigo e parceiro incrível e que há anos vem desenvolvendo trabalhos de produção partilhada de conhecimentos em espaços de resistência, inclusive indígenas.
Experiência
Um lugar quente. Bem quente. Fervendo.
Dentro do Teatro Luz do Faroeste, grupo que busca a inclusão da #cultura na agenda do desenvolvimento social, encontramos um espaço de respiro e meta-reflexões sobre o território. O grupo tornou-se parceiro do Diversitas, abrigando os encontros da disciplina "O Lugar das Redes".
Habitantes do local compartilham sua vivência conosco. Uma acadêmica de vinte e poucos anos, que acabara de concluir o ensino médio, participa com sua experiência nas ocupações das escolas. Uma senhora, com sua incrível energia, apresenta ao grupo o marmelo, fruto cada vez mais raro e que, de certa forma, também resiste "às incursões do xuxu na indústria" (segundo ela, para baratear, as marmeladas hoje são feitas de xuxu). Pessoas da área de #cinema, #teatro, #psicologia, #literatura. No meio de tanta gente boa, também os #games.
Na rua, conhecemos a ocupação da Companhia de Teatro do Mungunzá. Ao lado, um CRAS (Centro de Referência de Assistência Social da Prefeitura). Segundo pessoas que habitam o local, não se pode entrar irradiado pelo Crack, tampouco com cachorros; estes frequentemente utilizados pelos moradores de rua para proteção. Frequentemente, as poucas vagas se esgotam rapidamente. A polícia entra em ação, dispersando todxs os habitantes próximos ao local através de meios não muito ortodoxos.
Seguimos. Em frente a um hotel solidário e parceiro do #Diversitas na incursão, um dos moradorxs parceiros explicou às pessoas sobre como era morar lá. No meio da escuríssima rua, uma moradora em situação de rua toma o meio da roda e desabafa. Quem liga pra minha situação? Vocês querem falar de #shakespeare? Querem falar de Van Gogh? Quantas línguas vocês falam? Eu falo cinco línguas!
Medos
Sim, tive medo. Privilegiado por oportunidades que tive na vida, eu, Jaderson, tive medo. Medo de andar à pé na #Cracolândia, de perguntar aos moradorxs e policiais informações sobre o endereço; ora quando me perdi nas ruas mal iluminadas (#noob) e dei voltas na região.
A tensão entre "mocinhos" e "bandidos" parece permear o espaço. Sucateado propositalmente, o centro antigo de São Paulo é altamente especulado pela iniciativa privada. Junto à administração pública voltada aos empresários, a estratégia consegue até mesmo agradar a opinião pública. Com medo, eu, você e seus vizinhos tendemos a adotar posições de defesa, cujo curso natural nos leva a pensamentos superficiais do tipo "precisamos acabar com a vagabundagem".
Por coincidência, hoje, dia 01 de maio de 2018, um prédio de mais de 25 andares, na região, acaba de pegar fogo e sucumbir. Sobreviventes da ocupação são filmados em reportagens por quase todo o dia. No mesmo momento de comoção geral, sutilmente surgem frases do tipo "a prefeitura já tentava há tempos a retomada do espaço para restaurá-lo".
Retomada? Pra quem?
Mas o que um trabalho com #games tem a ver com isso?
Tudo. Em primeiro lugar, o trabalho que realizamos na Game e Arte ocorre com as pessoas e para as pessoas. Desde meados de 2009, época que nos constituímos como uma Ong, tivemos o foco das ações na comunidade.
Em tempos onde a cultura dos jogos digitais muitas vezes não se atenta ao que acontece no mundo "real", a vivência em espaços de resistência permite vislumbrarmos comunidades mais justas, compartilhando múltiplos #conhecimentos e proporcionando uma vida melhor à cada um daqueles que ocupam e resistem à opressão.
Não se trata de pensar em uma utopia. Videogames não são mocinhos ou bandidos; apenas são objetos capazes de fomentar a construção de conhecimentos. Se você trabalha ou pretende trabalhar na área da #cultura, certamente também faz parte de um espaço de resistência.
Enquanto produtores culturais negros e do underground, não nos sentimos representados na comunidade de games. Além das vivências mediadas com games, ao desenvolvermos nossos próprios jogos autorais, como A Nova Califórnia, percebemos as grandes dificuldades em trabalhar de maneira independente e com foco em questões socioculturais.
Ao mesmo tempo, sentimos a mesma honra que as mais de 50 pessoas que ocupam, mesmo que apenas algumas horas por semana, a boca do lixo. Honra e disposição que pode culminar em ações práticas e inteligentes em prol de toda a comunidade.
Enquanto conhecimento acadêmico, os espaços formais de cultura podem estruturar pensamentos e construir metodologias. Enquanto conhecimento informal, os espaços de cultura incorporam a vivência das comunidades como parte fundamental na construção de conhecimentos. Juntos, o caminho deixa de ser utópico.
Nos videogames, o virtual deixa de ser virtual. Ao desenvolver intencionalmente a cultura, os objetos tornam-se ricos, tornando múltiplas culturas acessíveis através de uma linguagem muito utilizada nos dias de hoje. Enquanto sujeitos que também constroem cultura, o movimento #maker nos games pode permitir que eu, você ou pessoas em situações de dificuldades possam expressar-se e contar suas próprias histórias. Juntos à economia criativa e com otimismo moderado, é possível prover ações transformadoras.
Ao enxergarmos os games como parte de nossa cultura, podemos criar e contar nossas histórias, discutindo sobre elas e, quem sabe, reinventando novos caminhos.
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